O boletim.

Na rádio, a voz roufenha e arrastada do locutor anunciava mais um dia de chuvas torrenciais; contudo, apelando à paciência dos ouvintes, lá ia dizendo que, talvez, lá para o final da semana, o sol desse o ar da sua graça. Ora, o que safava o António Pedro (o locutor), das consequências destas erróneas ou dúbias previsões, era a sua predisposição, largamente conhecida, para o disparate; pois, desde pequeno, dizia-se, tinha muita imaginação. Claro que ele, o António Pedro, o locutor de voz roufenha, sim, esse mesmo, desculpar-se-ia do equívoco, como era seu apanágio, dizendo que não especificara a semana; ora, como é comummente sabido, um ano tem uma meia centena delas, não é verdade?
Todos, os ouvintes da Rádio Alcovitense (assim denominada em homenagem a todas as alcoviteiras da terra), os trabalhadores da dita e os que, em algum momento, se sentiram lesados por esta sua incapacidade crónica de prever o futuro (e o tempo), tinham ganas de o castigar; pois, não há nada que mais irrite uma pobre alma, do que vestir sobretudo num dia de sol, abrasador, ou andar de chinelas num dia de temporal. Admirando a sua exacerbada autoestima, contudo, todos se esqueciam dos seus enganos; António Pedro a todos conquistava com o seu sorriso rasgado e o seu ar de inocente convicto.
Quem mais lhe perdoava os enganos era Maria Felicidade, a doce ama, feliz de nome e feitio; e, como todas as manhãs, Maria sorria ao ouvir, na rádio, as previsões do tempo, que o seu Antoninho apresentava na sua voz roufenha e arrastada. Naquele dia, não se enganara o locutor; todavia, até Maria Felicidade, que não sabia ler, nem escrever, conseguia antecipar o aguaceiro, nas nuvens negras que rondaram a aldeia, toda a manhã.